domingo, 4 de agosto de 2019

O Manifesto Comunista e as Ideias Literárias do Século XIX


Manifesto Comunista insere-se no contexto histórico da ascensão da burguesia e da queda do Ancien Régime do século XIX, que viria dar origem ao Capitalismo e ao modelo social que predomina até hoje. Esta mudança levou à uma transformação que repercutiu em todas os campos, inclusive o literário. O novo modelo social, político e econômico que se formou levou ao surgimento de novas temáticas e estilos que iriam caracterizar o romance moderno, com o abandono do modelo literário clássico característico do Ancien Régime. As novas correntes literárias do Romantismo e Realismo foram resultados deste novo modelo que se impunha, modelo este que o Manifesto Comunista soube retratar de maneira extremamente lúcida.

Manifesto por um lado influenciou ideologicamente a geração de escritores que se formava e que iria atender ao apelo do manifesto. Deu surgimento a uma crítica literária que se fundamentou na visão de luta de classes por ele apresentada. Mas principalmente, mesmo para aqueles que não compartilhavam de suas teses, contribuiu enormemente para a compreensão do momento histórico e é um documento precioso para o entendimento das motivações literárias do século XIX.

O próprio Manifesto traz uma avaliação dos movimentos literários e apresenta uma classificação da literatura dita socialista e comunista em 3 tipos: o socialismo reacionário, o socialismo conservador ou burguês e o socialismo e comunismo crítico-utópicos.

O primeiro, o socialismo reacionário, seria uma reação das classes sociais que viam na ascensão da burguesia uma ameaça ao seu status quo. Na aristocracia se formaria uma literatura socialista feudal, que procuraria se tornar simpática à classe trabalhadora, através da crítica ao inimigo comum, a burguesia. Seria uma literatura meio lamentação, meio sátira, meio eco do passado, meio ameaça do futuro; às vezes, por sua crítica amarga, inteligente e incisiva, acertando a burguesia no seu âmago; mas sempre de efeito cômico, pela incapacidade total de compreender a marcha da Histórica moderna. Censuravam a burguesia mais por ter ela criado um proletariado revolucionário, do que por ter apenas criado o proletariado. No clero também teríamos o surgimento de uma literatura socialista conservadora, de um socialismo cristão. Uma literatura também surgiu na defesa do ponto de vista do pequeno burguês, classe intermediária que também foi alijada do poder pela alta burguesia. Esta literatura socialista do pequeno burguês dissecou com acuidade as contradições das condições da produção moderna. Mas defendia a restauração dos meios antigos de produção e troca, dentro da moldura das relações de propriedade antigas  que estavam fadadas a destruição, tornando-se utópica e reacionária. O Manifesto diferencia ainda o socialismo reacionário alemão: influenciado pela literatura francesa mas sem as mesmas condições sociais, o socialismo alemão assumiu um aspecto puramente literário. O trabalho dos literatos alemães consistiu somente em harmonizar as idéias francesas novas com a sua consciência filosófica antiga, ou melhor, em anexar as idéias francesas sem desertar do seu próprio ponto de vista filosófico. Esta literatura alemã cessou de expressar a luta de uma classe contra a outra. Segundo estes pensadores alemães, ela superou a “parcialidade francesa” e passou a representar não as exigências verdadeiras, mas as exigências da verdade; não os interesses do proletariado, mas os interesses da natureza humana, do homem em geral, que não pertence a uma classe. Segundo o Manifesto do homem “que existe somente no reino enevoado da fantasia filosófica”.

O segundo, o socialismo burguês, defenderia o ponto de vista da parte da burguesia que deseja compensar injustiças sociais, para assegurar a continuidade da existência da sociedade burguesa. A burguesia socialista quer todas as vantagens das condições sociais modernas sem as lutas e os perigos que necessariamente resultam disso. Deseja o estado da sociedade existente sem os seus elementos revolucionários e desintegradores. Quer uma burguesia sem um proletariado. O melhor dos mundos, pensa a burguesia, é naturalmente o mundo no qual ela domina. O socialismo da burguesia consiste, enfim, na afirmação de que os burgueses são burgueses em benefício da classe trabalhadora.

O terceiro, o socialismo e comunismo crítico-utópicos, tem fundadores que vêem claramente os antagonismos de classe, como também a ação dos elementos de decomposição na forma da sociedade predominante e estão conscientes de representar principalmente os interesses da classe trabalhadora. Mas se deparam com um proletariado ainda em sua infância que não apresenta ainda uma iniciativa histórica, em que a situação econômica ainda não criou as condições materiais para a emancipação do proletariado. Eles buscam portanto a formação de uma nova ciência social, novas leis sociais que criarão tais condições. Mas o estado subdesenvolvido da luta de classes leva estes socialistas a considerarem-se muito superiores a todos os antagonismos de classe. Eles querem melhorar a condição de todo o membro da sociedade, até a do mais favorecido. Por isso, normalmente, apelam para a sociedade como um todo, sem distinção de classe; mais ainda, de preferência, à classe governante. Basta compreender seu sistema para reconhecer nele o melhor plano possível para a melhor sociedade. Por isso rejeitam toda ação política e, especialmente, toda ação revolucionária. Desejam alcançar seus objetivos por meios pacíficos. Na proporção em que a luta de classes se desenvolve, esta posição fantástica de se colocar fora da contenda, perde todo o valor prático. Se, por um lado, os criadores destes sistemas são revolucionários, seus discípulos formam, por outro, seitas reacionárias.

É interessante comparar a concepção literária exposta no Manifesto e a análise sobre o Romantismo apresentada por Löwy [1], retomando a questão abordada da apresentação do “Romantismo Anticapitalista” como um pleonasmo, já que todo Romantismo seria anticapitalista, bastando portanto falarmos em Romantismo. Na prova anterior em oposição a esta tese foi levantado o fato das características principais do Romantismo terem se desenvolvido na Alemanha (ou o que viria a ser a Alemanha), país de capitalismo tardio, sendo que a concepção ideológica anticapitalista de origem do Romantismo colocava em segundo plano um componente filosófico (Herder) e estético (mistura de gêneros, o grotesco de Victor Hugo) de grande importância. O manifesto traz uma posição sobre esta questão que contribui para o entendimento, ao diferenciar a literatura socialista em seu componente alemão, destacando a influência mais forte do componente filosófico (“o socialismo alemão assumiu um aspecto puramente literário”). Para um melhor entendimento das motivações de cada autor e sua inserção nos movimentos literários é importante levarmos em conta os aspectos ideológicos, filosóficos, estéticos , religiosos, etc, não deixando que a primazia de um destes aspectos embote o entendimento dos outros.


[1] Michael Löwy e Robert Sayre, Revolta e Melancolia, O Romantismo na contramão da modernidade.


Bibliografia
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. Paz e Terra. São Paulo. 2000. 6a. Edição.

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