A visão platônica do Amor nos foi apresentada principalmente em duas de suas obras, a saber "O Banquete" e "Fedro". A seguir vamos discutir a composição do Banquete e as suas principais idéias Posteriormente, veja aqui. as ideias apresentadas em "Fedro".
"O Banquete" se destaca, entre as obras de Platão, por apresentar uma forma de composição inusitada, uma seqüência de discursos proferidos pelos membros de um banquete. Um dos participantes do banquete, inspirado em um pedido de Fedro, propõe que cada um dos membros faça um discurso de louvor ao Amor. A sucessão dos discursos tem o mérito de expor várias teorias sobre a origem e natureza do amor, até o discurso final de Sócrates, este sim feito na forma de Diálogo, tradicional em Platão. A sucessão de discursos tem uma importância para o todo da obra, já que o discurso de Sócrates é como uma resposta aos discursos anteriores, apontando para a verdadeira definição do que é o Amor.
O primeiro discurso é proferido por Fedro, sendo bem tradicional, representando o pensamento pretensamente ilustrado. É um discurso recheado -de lugares comuns. Sua função é servir de ponto de partida para que novas idéias sobre o Amor sejam trazidas à tona nos discursos seguintes, representando o ponto inicial e mais baixo da nossa cadeia dialética de discursos. Contudo traz alguns pontos de interesse, corno a discussão sobro so a beleza maior está no amante ou no amado e as virtudes que decorrem do amor. Esta ideia será desenvolvida no discurso de Sócrates e retomada por Leão de Hebreu. Fedro discute a ideia do Amor como uma fonte de virtudes, entre elas a coragem:
"Ninguém há tão ruim que o próprio Amor não o tome inspirado para a virtude, a ponto de ficar ele semelhante ao mais generoso de natureza" [1].
Fedro nos apresenta como exemplo a estória de Alceste, que se sacrificou pelo marido que amava, e como recompensa lhe foi concedido pelos deuses que sua alma voltasse do Hades, resgatada por Hércules:
"... depois de praticar ela esse ato, tão belo pareceu ele não só aos homens mas até aos deuses que, muitos tenham feitos muitas ações belas, foi a um bem reduzido número que os deuses concederam esta honra de fazer do Hades subir novamente sua alma, ao passo que a dela eles fizeram subir admirados do seu gesto".
Aqui um dos elementos que deve ser levado em consideração é o fato do amor apresentado ser o de uma mulher. Na concepção grega a mulher era considerada um ser meros elevado, daí o fato de que o Amor ao inspirar tal comportamento em uma mulher, seja ainda mais digno de ser louvado.
No discurso a seguir, de Pausânias, é apresentada uma louvação ao Amor homossexual. O Amor é de dois tipos, sendo que o do homem pelo homem, mais espiritual, é superior ao do homem pela mulher, mais carnal, já que o amor pela mulher não poderia ser espiritual segundo a visão de Pausânias. Note-se que nem é mencionado o amor da mulher pelo homem.
Seguem-se os discursos. Vamos no entanto nos concentrar no de Aristófanes e no de Sócrates, embora os outros também sejam importantes no conjunto da obra.
Aristófanes nos apresenta uma fábula sobre a origem do Amor, que apesar de possuir uma certa veia cômica, é de grande beleza, e dará origem a uma bela tradição literária, a do mito da unidade perdida. da alma partida [2]. Éramos de início, segundo ele, o dobro do que agora somos, e desse ser inteiriço havia três gêneros; um composto de duas partes masculinas, outro de duas partes femininas, e outro misto. Em represália à insolência desses nossos ancestrais, Zeus cortou-os ao meio. Após isto começa para estes novos seres uma procura ansiosa da sua antiga metade. Exatamente em tal procura consiste o Amor, sendo que a proveniência de cada metade explica o tipo particular de cada um, isto é, o homossexual masculino ou feminino e o heterossexual. O Amor nos ajuda a encontrar, senão nossa primitiva metade, pelo menos a que mais se lhe assemelha, e assim realizar de algum modo nosso unidade original. O ato sexual seria o meio pelo qual esta unidade é restabelecida, ainda que por pouco tempo, e o prazer dele decorrente uma memória de nossa antiga unidade, e um alívio para o peso que sofremos ao viver separados de nossa antiga metade.
O discurso de Sócrates é o auge do Banquete. Sócrates o apresenta como sendo um Diálogo travado com uma sacerdotisa, Diotima, no que nos parece ser apenas um/ estratagema, seja para utilizar a forma de discurso por ele (Platão) preferida de se chegar ao conhecimento, seja como uma maneira de evitar um confronto com os outros discursantes, já que o diálogo vai expor a fragilidade das idéias anteriormente apresentadas. Este recurso contribui para aumentar a verossimilhança do episódio narrado por Platão.
A definição do Amor platônico é aqui iniciada, sendo complementada em outro discurso, "Fedro". O Amor não é um Deus, mas um gênio, um intermediário entre o mundo dos deuses e dos homens, e sua função é manter o contato entre estes dois mundos. O Amor é a geração e a parturição no Belo [3]. A geração amorosa é uma ascensão "por degraus", que partindo do amor de um só belo corpo, paulatinamente atinge o amor do belo em si. Diotima descreve este processo de ascensão: do amor de um só corpo geram-se belos discursos; dai compreende-se que a beleza em qualquer corpo é irmã da que está em qualquer outro; depois de entender isso, deve-se fazer amante da beleza de todos os belos corpos, largando-se o amor violento de um só [4]; depois disso a beleza das almas deve considerar mais preciosa que a dos corpos: a seguir percebe-se o parentesco deste belo com o belo nos ofícios e nas leis: depois dos ofícios deve-se transportar o amor para o belo das ciências e, finalmente, no último degrau. contemplar uma ciência única, cujo objeto é o Belo.
[1] Platão, "O Banquete". Discurso de Fedro, 179c. pág. 104
[2] O verso de Camões "Alma minha gentil que te partiste" parece retomar este tema, na medida que coloca a mulher como "alma minha", como parte da alma do amante. Seria o vocábulo "partiste" uma referência à alma partida de que nos fala Platão? O inicio de outro soneto "Transforma-se o amador na cousa amada", clara citação de Platão e sua tradição literária, poderia ser um reforço para esta hipótese.
[3] Aqui o Belo confunde-se com o Bom, segundo a concepção da maioria dos autores, por exemplo, Joaquim Carvalho.
[4] É claro que neste estágio não se está mais falando do amor físico.
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