George Orwell era um idealista, muito engajado nas questões de sua época. Inspirado na obra e vida de Jack London, para melhor entender o mundo de seu tempo, escolheu viver nas ruas de Londres como um mendigo, forçou sua própria prisão, trabalhou como lavador de pratos em Paris e foi voluntário na Guerra Civil espanhola, pelo exército republicano. Pagou um preço alto por essas experiências, ficando gravemente doente e tendo sequelas devido a um tiro, morrendo cedo, de tuberculose.
Para entender Orwell é interessante antes falarmos de Jack London. Ele foi um escritor e ativista norte-americano, muito apreciado pelos seus romances de aventura. Após viver como vagabundo e marinheiro, participou da corrida do ouro do Klondike, Alasca. Aproveitando essas experiências escreveu diversos romances de aventura, se tornando mundialmente famoso. Sua obra prima foi Martin Eden[1], romance biográfico do gênero romance de construção[2]. Para escrever outro de seus romances, de menor sucesso[3], sobre as condições de vida da classe trabalhadora inglesa, London se mudou para o East End londrino, região mais pobre de Londres.
Orwell se inspirou até mais na vida de London do que na sua obra, buscando viver experiências pessoais sobre as quais pudesse escrever. Esse pensamento já parece transparecer em sua decisão de se alistar na polícia inglesa na Birmânia, atual Myanmar, em parte por sua atração pela filosofia oriental[4]. Aproveitando suas experiências de vida como mendigo e soldado, escreveu, entre outros, “Dias na Birmânia” e “Lutando na Espanha”, além de diversos ensaios, que no Brasil foram e estão sendo publicados em coletâneas (das quais citamos “Na pior em Paris e Londres” e “Como morrem os pobres e outros ensaios”).
Outra questão de interesse para entendimento da obra de Orwell é a sua ideologia política. Era um árduo defensor da democracia, sendo simpatizante das propostas anarquistas e socialistas, apesar de ferrenho crítico do socialismo soviético. Parte da crítica classifica Orwell como trotskista. Aparentemente, o socialismo de Orwell se aproximaria da linha do autonomismo, que prega a descentralização do poder e a autogestão. Quer dizer, Orwell não seria a favor nem de um socialismo com forte presença estatal, nem de um estado mínimo segundo o modelo liberal. A questão é controversa, ainda por ser respondida pela crítica. Orwell tinha uma personalidade complexa, às vezes contraditória, difícil de ser analisada apenas por extratos do seu pensamento. Sobre essa dicotomia escreveu um crítico de sua obra:
“O jovem Orwell que tinha fantasias sobre enterrar uma baioneta nas tripas de um sacerdote birmanês torna-se um paladino da independência da Birmânia. O igualitário e socialista vê simultaneamente a falácia da propriedade estatal e da centralização. O execrador do militarismo torna-se proponente de uma guerra de sobrevivência nacional. O altivo e solitário aluno de internato de elite dorme amontoado com vagabundos e mulheres da vida e força-se a suportar piolhos, penicos e detenções (...) O inimigo do jingoismo e do cristianismo vociferante é autor de textos elegantíssimos sobre poesia patriótica e tradição litúrgica” (HITCHENS, 2010, n.p).
[1] Martin Eden conta a história de um marinheiro que se apaixona por uma universitária burguesa, romance obstaculizado pela diferença de classe social. Para acender social e intelectualmente, Eden resolve se tornar um escritor, se deslumbrando com as correntes filosóficas com as quais toma contato. Tem sucesso como escritor, mas não a tempo de realizar seu romance.
[2] No original, bildungsroman, gênero literário que mostra o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de um personagem.
[3] “O Povo do Abismo: Fome e miséria no coração do império britânico”.
[4] George Orwell. Wikipedia. Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/George_Orwell. Acesso em 01/04/2019.
Bibliografia
HITCHENS, Christopher. A Vitória da Orwell. Companhia das Letras. 2010.
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